domingo, dezembro 16, 2012

Olá, prazer!

- Desde quando a gente se vê?
- Desde que olhamos um pro outro com vontade de se conhecer.
Mas você sabe, se conhecer é perigoso, então, a gente se vê.

- Desde quando a gente se olhou pela primeira vez?
- Quando a gente se viu.
- Ah, quando a gente quis se conhecer.
- É, mas sabia que era prudente só se ver.
- Claro, por isso a gente se mira distante.
Desde quando mesmo?

- Desde a aquele dia que a gente se notou, em uníssono.
- É, verdade! Eu queria saber quem é você.
- E eu, conhecer você.
Mas sabemos o quão difícil é fazer-nos conhecer.
- Sim, um caminho sem volta.
Mas se soubesse o caminho até poderia seguir com você.

- Jura?
- Mas tenho receio de te conhecer.
Por isso nos olhamos.

- Claro, mas desde quando, mesmo?
Ah, começou naquele dia que fingi que já te conhecia.

Gardênia Vargas 16/12/12

terça-feira, maio 01, 2012

O menino do violino



Mais um dia ela corre afoita. Quase perde o das 9h35. Chega, se arruma no banco, põe as bolsas e casaco de lado para poder achar o pente , o espelho e o batom. Se arruma depressa e agradece o pequeno trânsito causado pela chuva fina. Deu tempo. Ela está pronta.

A condução para e lá está ele, o menino do violino. Entra meio desajeitado, arruma o cabelo molhado, sacode a capa do instrumento e paga para passar da roleta. Eis o grande instante. Ele passa por ela, olha pra frente, procura um acento vazio.

Lisbela contempla o momento e reconhece o ar agitado. Ela não olha mais pra trás. A viagem é regida pelos desenhos do vento entre seus dedos. Mãos na altura do lábios. Seus olhos que fitam o nada, sempre de lado. Ela quer que ele a veja em seu melhor ângulo. Jura que é observada e que ele corre para encontrá-la todos os dias.

Seguem assim os minutos. De repente, a hora de saltar. Arruma o cachecol, afofa a bolsa para não parecer cheia demais, coloca os óculos escuros e levanta. Olha em volta para procurar o violino. Não acha. Ele já desceu.

Ela segue pelas ruas torcendo para o dia passar... Amanhã ela o verá novamente.

(Gardênia Vargas 04/06/2008)

Vento de chuva

    Doloridas pancadas de água
  Apaguem esse sorriso estampado
Molhem o corpo febril


 Poças de lama sujem essas pernas
Manchem as roupas
   Estraguem os fios


Batam nela deitada no chão
   Atropelem sua excitação
 Encham de gotas a nuca, os pés e as mãos


Deixem-na gemer retorcida na rua
 Agarrada no dorso
Toda nua


     Façam-na lamber o asfalto
Recostar no meio-fio
 E morder a palma de sua mão.

quinta-feira, abril 19, 2012

INDEPENDENTEMENTE CONFUSA E A SUPER SEGURA EM: UMA FRUSTRAÇÃO

À tarde a Super Segura caminha pelas ruas do Leblon. Pediu para sair mais cedo do trabalho. Estava com enxaqueca. Foi ver vitrines de lojas, nada que pudesse comprar naquela hora. Só olhar. Pegou o celular e discou:


SS - Amiga! Achei o cara no facebook!

IC – E aí?!

SS – É casado!

IC – Filho da puta!


Um silêncio rápido e voltam a falar.


IC – Mas e aí? Viu a foto da mulher dele? – Pergunta curiosa a Independentemente Confusa.

SS- Vi.

IC – Hum... É aberto o face dele... Dava pra ler as coisas? – Insiste.

SS – Amiga, dava pra ver tudo. Tudo. Filhos, família, mulher, cachorro, periquito e papagaio. A porra toda. Incrivelmente bem casado. Linda família margarina feliz. - dispara - E sabe de mais uma coisa, a mulher dele parece incrível! Merda. – Resignada, respira profundamente a Super Segura.

IC – Ah, amiga, você já desconfiava. Agora tem certeza. – Tentando ser otimista – Pô, melhor assim. Dá pra entender o sumiço repentino.

SS – É. Isso é verdade. Eu achava isso. To Tranquila. Mas pô, podia não ser. Ai! Vai ter dedo podre assim lá longe! – sentencia.

IC – Ah, para. Nem é assim. Uma hora você encontra alguém que encaixe. Uma hora alguém que estiver no mesmo ritmo que você aparece... – Embala a dar conselhos, a Independentemente Confusa.

SS – Oi? Tá doida?! Amigaaaa, aloooou! Não quero casar e ter filhos com ele. Não pensei nisso. Não pira, não. – Corta com sinceridade - Ah, de uma certa forma é até bom isso. Pelo menos sei que não sumiu por que sou chata ou boba.


Nesse momento a Super Segura continua falando, entra numa loja com o celular no ombro e ouvido, pede dois. Paga e sai calada, escutando.


IC – Então, amiga. Pelo menos a gente sabe que ele não tá com medo de você ou coisa parecida. Até eu fiquei aliviada. Mas... Já que pé assim, por que você tá assim, tão chocada?

SS – Ah, sei lá. Não entendo homem que faz essas coisas. Aliás, entendo. Mas, na boa, não precisa. Era só abrir o jogo que eu ia entender e me resguardar, mas não ia deixar de ficar... - amacia, a Super Segura.

IC – Entendo. Tá vendo amiga. Você queria, sim, um romancezinho, vai....

SS – Queria um envolvimento que não fosse tão fugaz! Só isso. – Fala segura, a Super segura a miar – Que bobeira. O cara é casado. Eu não tava esperando nada. Só fiquei frustrada por que ele sumiu e não me disse nada. Descobri. Isso foi ruim. Não precisava, né? Mas enfim, acabou. Agora desce aí que estou na sua porta com dois Youboberrys na mão te esperando pra gente ir ao cinema!

IC – Oba! Que ótimo! Chegou rápido. Vou descer.


A Independentemente Confusa sai correndo. Encontra a amiga na porta do prédio. As duas se abraçam. Não se viam há alguns dias. Vão correndo ver qual filme está em cartaz.


IC – Amiga, esse cara não foi legal. Ok. – A Independentemente Confusa abraça a Super Segura e fala ao pé do ouvido - Ele podia ter sido sincero que sei que não deixaria de viver os momentos vividos. Mas pense numa coisa. Ô cara sortudo da porra! Esses dias com você serão inesquecíveis!

SS – Ah, amiguxa! Isso você tem razão. Do angu ele só provou a beiradinha e tenho certeza, lambeu os beiços! - sorriu suave.


Entram no cinema mais próximo para ver “Titanic 3D - legendado”.

quinta-feira, agosto 04, 2011

INDEPENDENTEMENTE CONFUSA E SUPER SEGURA EM: O Passeio na Serra

Certo dia, a Independentemente Confusa decidiu que ia viajar pra espairecer. O gatinho da vez estava a fim de um fim de semana especial, e ela, que estava na estafa do trabalho, aceitou. Claro que antes encontrou a Super Segura para ter certeza de que essa seria uma boa ideia. Em um café, no fim do dia, as duas trocaram confidências:


IC: Então amiga, o que você acha? O Rodrigo quer muito sair um pouco daqui - Indagou, a Independentemente Confusa.

SS: Ué? Vai! Qual o drama da vez? - Desafiou, a Super Segura

IC: Não fala assim. Sabe que minha relação com ele é só de ficar de vez em quando, que tenho medo de me envolver e me ferrar mais um vez... - Explicou.

SS: Amiga, para com isso. Ele é bacana. Te curte de montão. Quer só ficar um pouco longe dessa doideira que é o Rio de Janeiro - Condescendente.

IC: Eu sei, eu sei... Mas sei lá, algo me diz que não é uma boa.

SS: Bom, então siga seus instintos e perca uma viagem romântica - aconselhou a amiga.

IC: Não, também não é pra tanto. Pode ser que seja um medo bobo de me envolver com mais uma cara errado, né?

SS: E se for? Mais um, menos um...

IC: É, você tá certo. O que pode dar errado em dois dias no mato com um cara lindo e gostoso, né?

SS: Ah, garota, assim que se fala! Vai nessa. Arruma a mochilinha e parte pro amor! Nem que seja por dois dias!! Eu estarei aqui. Me liga se precisar! - Encorajou a amiga.

IC: Ah, o que seria de mim sem você!

A Independentemente Confusa levanta e dá um beijo na amiga. Deixa uns trocados e vai embora saltitante.

SS: Espero que dê tudo certo mesmo - fala para si mesma.


Fecha na titubeada da Super Segura.


No dia seguinte, a Independentemente Confusa já fez a mala e levou direto para a labutao. Às 18h o garotão maroto buscou-a na porta do trabalho. Foram ouvindo o CD do Otto nas alturas. Pararam no meio da estrada para uns amassos pontuais. Seguiram para a tal casa que um amigo dele emprestou pelo fim de semana. Subiram a Serra cantando ao som de Céu. Entraram na estrada esburacada. Cada salto do carro era uma gargalhada. Chegaram na casa.


IC: Que gracinha de lugar! – Exclamou, a Independentemente Confusa com sorriso no rosto.

RODRIGO: Gostou, gata?! Tudo pra você – disse com voz e jeito de galã de novela mexicana.

IC: Adorei, gato! Maravilha! – deu um pulinho e abraçou o galã.


Alguns minutos depois, as malas já estavam abertas no chão. E os dois se amaram como se não houvesse amanhã. No fim da noite, os dois viram “Kika”, um filme de Almodóvar, que ela ama e ele trouxe para agradar sua amada. O clima era perfeito. A noite foi fria e os dois dormiram de conchinha. Quando ele pegou no sono, a Independentemente Confusa pegou o celular e mandou uma mensagem para Super Segura:


“Amiga, está tudo na mais perfeita harmonia. Não poderia ter tomado melhor decisão. Obrigada”.

E apagou.


No dia seguinte, conheceram o Zé, caseiro do palacete, no meio do mato. Muito simpático e agradável Seu Zé tomou a liberdade de dar uma ideia ao casal embebido de paixão.


SEU ZÉ: Olha, o almoço tá ficano pronto. Aqui perto tem uma casa que tem uma menina lá que tá suzinha e que pediu ajuda pra comprá uns mantimentu pra armoçá. Qu'ces acham de chamá a moça pra cumê cum nós?

Na hora a Independentemente Confusa estava efusiva e não pensou duas vezes:

IC: Claro, Seu Zé! Tem comida pra uma família comer junto. Chama a moça!

Dali há uma meia hora chegou Michele, uma moça bonita, de outro estado, que ali estava passando um fim de semana pra descansar:


MICHELE: Pois é, estou muito cansada da cidade. Minha mãe tem essa casa de veraneio e às vezes venho passar alguns dias para pensar - contou.

IC: Que bom ter um lugar assim. Nós viemos com o mesmo objetivo. Respirar novos ares. Mergulhar no rio. Ver o verde - sorridente.

MICHELE: É importante ter esses momentos. Ainda mais em casal. Vocês namoram há muito tempo?

IC: Não, não namoramos. Estamos nos conhecendo – E se afasta para pegar mais um copo de vodka com suco de laranja.

RODRIGO: E você, o que faz uma menina tão linda sozinha por aqui? Não tem namorado? - soltou o menino com voz de galã.

MICHELE: Não. Estou numa fase de autoconhecimento, sabe? Estou querendo me descobrir – E termina mais um copo de vodka com suco de laranja.

RODRIGO: Deixa eu pegar mais pra você – Pega o copo das mãos de Michele, e encosta nos dedos dela, deixando deslizar um pouco. Ela olha com susto, mas o sorriso dele é conquistador e a menina devolve o mesmo sorriso com os lábios apertados.

Mais afastados, preparando a segunda garrafa de vodka com suco de laranja, Independentemente Confusa e Rodrigo trocam algumas palavras:

IC: Ela é legal, né?

RODRIGO: Muito.

IC: Que bom que Seu Zé teve essa ideia. A princípio achei estranho, mas se ela está sozinha pode ser boa companhia.

RODRIGO: É.

IC: Tá bom de Vodka?

RODRIGO: Põe mais.


Os dois voltam à conversa.

IC: Nossa, nem comemos direito. Sobrou tudo! – E cai na gargalhada. Todos riem, se abraçando – Cadê o Seu Zé?

MICHELE: Acho que ele desceu pra comprar mais bebida.

IC: Mais? Já acabamos com três garrafas! – E caem na gargalhada novamente.

(...)

MICHELE: E aí, ele me pegou e me levou pra casa – E caem na gargalhada.

corta com uma ideia, a Independentemente Confusa: Vou descer atrás do Seu Zé pra pegar mais bebida!

E sai pela estrada afora atrás de Seu Zé. Encontra o caseiro chegando com os mantimentos em sacolas. Abraça o Seu Zé, pega uma das sacolas e vai conversando amenidades com o novo melhor amigo na subida até a casa. Chega à cozinha e começa a guardar as coisas, tropeça e ri. Seu Zé acha tudo muito engraçado e se aproveita da condolência da moça da cidade grande.

A Independentemente Confusa vai ao banheiro e quase cai. Mas volta às gargalhadas, mais contidas quando vê Seu Zé. Ao chegar na porta da varanda, dá de cara com uma cena inesperada. Rodrigo se atracando com Michele. São beijos quentes e mãos bobas por tudo quanto é lugar do corpo dos dois. O frio lhe sobe a espinha dorsal. Por um segundo esfrega os olhos e não acredita no que vê.. No segundo posterior sai de encontro ao novíssimo casal já gritando:


IC: É isso mesmo? É isso mesmo que eu to vendo?

RODRIGO: Gata! Vem aqui! – Entre os beijos puxa a IC às gargalhadas com Michele. Ela fica assoberbada. Não tem reação. Se livra das mãos do cara e vai direto pra dentro da casa. Sai de novo e eles continuam se pegando no maior amasso dos últimos tempos. Ela olha em volta e o que vê é o notebook de Rodrigo, conectado a caixas de som às alturas tocando Led Zeppelin. Ela pega as caixas e sai com tudo. Joga o equipamento na piscina.


IC: Seu verme filho da p...! Tá pensando o que da sua vida, seu M... Que P... É essa? Sai dessa casa sua Piiiiiii!


Os dois se entreolham e percebem que a coisa é séria! A Independentemente Confusa está irada. Volta pra dentro da casa e pega uma faca. Seu Zé vê toda a cena atônito, mas corre atrás da Independentemente Confusa e a segura, prevendo uma tragédia. Ela chora e berra. Michele se recompõe e sai em debandada. Rodrigo pula na piscina pra tentar salvar seu Mac. Seu Zé não sabe o que fazer e carrega a Independentemente Confusa pra casa dele, nos fundos da casa principal. Ela chora até ser derrubada pelo sono.

No dia seguinte ela acorda com 15 mamutes siberianos dançando em sua cabeça. Abre os olhos inchados e não sabe onde está. Procura alguma coisa comum aos seus sentidos e enxerga Seu Zé fazendo café.


SEU ZÉ: Ô moça! A noite foi agitada. Toma esse café pra melhorar essa cara - Ele lhe entrega uma caneca.

IC: Ah... É... obrigada. Mas onde estou? - Se recompondo.

SEU ZÉ: Está na minha casa. Achei mio te trazê pra cá antes que fizesse uma besteira - Olha com carinho paterno pra moça tentando se recompor.


Os dois conversaram baixinho pra cabeça da Independentemente Confusa não estourar. Ela foi se lembrando de tudo e foi tomada por uma vergonha infinita. Logo ela, uma mulher moderna e independente passar por isso... Não entrava na cabeça dela. Ela foi até a casa principal e encontrou Rodrigo deitado no sofá, chorando baixinho. O Mac Book pro dele no chão, junto com as caixas de som, encharcados. Ela se sentou na ponta do sofá e os dois não falaram nada por no mínimo 40 minutos. Depois disso ela levantou e lhe trouxe um chá. Ele tomou com os olhos tão inchados quanto os dela.


RODRIGO: Me desculpa, gata. Me desculpa.

IC: Não, não desculpo. Nunca vou entender o que passou na cabeça pra fazer isso comigo.

RODRIGO: Eu não queria te magoar. Só achei que... Nós... Não sei. Você é sempre tão pra frente, tão independente, tão mulher contemporânea.... Que achei...

IC: Não acredito! Você achou que eu poderia transar com vocês dois? É isso?

Rodrigo emudeceu.

IC: Putaquilpariu! Mas você é muito burro! Muito! - batendo com uma das mãos na perna.

RODRIGO: Pois é... Não imaginei que você fosse tão... tão... quadrada.

IC: Quadrada!!! Rodrigo, você realmente... Fez tudo errado. Me perdeu pra sempre. E ainda perdeu uma boa oportunidade - e sai pra cozinha.

Ele vai atrás.

RODRIGO: Como assim?

IC: Se você falasse comigo, me desses indícios, me falasse ao pé do ouvido...

RODRIGO: Você está dizendo que...

IC: Que você fez tu-do errado! Quem sabe, se chegasse com jeito, me seduzisse primeiro. Como você pôde achar que eu ia chegar e ver meu gato se pegando com outra e ficar com tesão?

RODRIGO: Achei que vocês estavam tão enturmadas...

IC: Cala a boca! Da próxima vez você deixa as mulheres se descobrirem primeiro, se for esse mesmo o caso. Mas dessa vez, faz o seguinte. Junta sua coisa e vaza daqui!

RODRIGO: Como assim?

IC: Assim gato! Pega e vaza!

RODRIGO: Mas a casa é do meu amigo...

IC: Problema seu e do seu amigo. Vai embora sem olhar pra trás. Tira meu telefone do seu celular e carrega esse equipamento molhado daqui.


Quando Rodrigo olhou para porta viu Seu Zé com cara de poucos amigos. Não teve saída. Juntou os trapos e se mandou em menos de 15 minutos. Depois que ele foi a Independentemente Confusa ligou para a Super Segura.


CORTA


IC: ... Mas homem é muito burro mesmo... Fiquei enfurecida, amiga!!!! Quase acabou com meu dia. - silêncio - Ué? Então ele saiu daqui com o rabinho entre as pernas... – e sorriu ainda se recuperando do nervosismo, mas já muito leve.


No fundo Seu Zé enche mais um copo de vodka com suco de laranja e leva para Independentemente Confusa que sorri cúmplice e desliga o celular. Os dois brindam o final da tarde de domingo ao som de Amy Winehouse. Michele aponta na porta da cozinha, ainda muito sem graça, mas a Independentemente Segura manda ela entrar e serve um copo para ela também brindar. As duas sorriem se entreolham e miram em direção ao Seu Zé.

CORTA.

sábado, fevereiro 19, 2011

Um dia inteiro

Se um dia me engolisse por inteiro
não sobraria um fio de cabelo
Ele cuspiria suor

Gardênia Vargas (19/02/11)

domingo, dezembro 19, 2010

Ilusões

Uma dia ela acordou no susto,
estava voando

Era um pássaro
dos grandes
bateu as asas cor de ouro
e se foi

Olhou para os lados e se viu na janela
do quarto
ainda escuro

Mirou o infinito
e se jogou

Acordou no susto
se machucou

Por que ela era
na verdade
uma flor

sexta-feira, dezembro 03, 2010

INDEPENDENTEMENTE CONFUSA E A SUPER SEGURA EM: UM CARINHA DA INTERNET

Um dia a Independentemente Confusa olhou no relógio e viu que estava atrasada. Pulou da cama, olhou para os lados, pegou o lençol, se cobriu e foi até o banheiro com medo de encontrar mais alguém no seu apê vazio. Tomou um banho demorado e saiu enrolada na toalha. Entrou em seu quarto enxuta, passou seu hidratante cheiroso no corpo todo, se vestiu, pegou a bolsa já arrumada do dia anterior, olhou para cima da mesa e viu seu copo de whisky aguado e lembrou da noite online, seu date cibernético. Levou a mão à cabeça e sorriu sozinha só com o canto dos lábios.

Chegou ao trabalho e entrou online. Ele não estava. De repente pula a janela da amiga Super Segura, que já estava de pé fazia algumas horas, trabalhando de casa.

SUPER SEGURA - E aí amiga? Como foi ontem?

INDEPENDENTEMENTE CONFUSA - Oi! Foi louco. Ele estava especialmente inspirado.

SS - Mas vocês ficaram conversando on line?

IC - Exatamente assim como estamos agora.

SS - Hummmmmm

IC - Não gosto de câmera, você sabe.

SS - Mas e aí??? Ele vem?

IC - Como vem? Vem pra onde?

SS - Ué? Vem te ver!

IC - Amiga, ele está no Rio.

SS - ?????

IC - É...

SS - Não entendi na-da.

IC - Pô, ele está aqui há uns três dias.

SS - E aíiiiiiiiiiiiiiiiiiiii?

IC - Não sei, a gente marca de se ver e na hora acha melhor ficar na internet. Acho que tenho medo do encanto se quebrar. Da fantasia virar realidade. Dele não ser tudo que espero.

SS - É, você corre esse risco. Ele também. Mas não faz o menor sentido ele vir pra cá só pra te ver e você não se encontrarem, concorda?

IC - Sim, sim...


Tempo.


IC - Amiga, preciso ficar offline. Minha chefe chegou e tenho um monte de coisas para fazer.

SS - Ok, ok. Té já. Bju

IC - Bjoca


A Super Segura fecha a janela da conversa, maneia a cabeça e volta a trabalhar. Do outro lado a Independentemente Confusa, minimiza a conversa e a janela do email, respira e levanta para pegar um copo d’água. Quando volta tem uma janela piscando. É ele:


ELE – Oi bonita.


Ela olha com a atenção de quem está lendo um parágrafo de um texto intenso. Segura o coração que pula desesperadamente. Fecha a janela e o email. Começa a trabalhar. Não consegue. Não tem concentração. Ela fica online novamente. Ele não fala. Ela então puxa a conversa:


IC – Oi.

ELE – Como está? Sobreviveu?

IC – Sim. Rs! Um pouco cansada. Mas está tudo bem.

ELE – Que bom. Fica na paz, viu?


Tempo


IC – Ok.Obrigada.

ELE – beijo e se cuida.


A Independentemente Confusa deixa a janela aberta da conversa e segura o choro. A angústia chega a invadir o corpo todo. Se sente fraca, quer sair de onde está, quer voar até sumir no infinito e chegar a outro lugar, ou até mesmo voltar no tempo. Não seria mal voltar no tempo. Dia perdido. Ela não conseguiu fazer nada no trabalho. O telefone toca, ela treme, mas é a amiga Super Segura:


SS - Oi Amiga? Tá tudo bem? Você ficou ausente o dia todo, não respondeu mais no GTalk nem no Facebook - pergunta.

IC - É amiga, muito trabalho... – responde desanimada.

SS – Sei... E o carinha?

IC – ah, sei lá - Tenta disfarçar.

SS – Não vão se ver mesmo? – Desconfia.

IC – Ele foi embora hoje à tarde - Conformada.

SS – Como assim, neguinha?!! Tá doida!! E não se viram? – Inconformada.

IC – é amiga, acho que não rolou...

SS – Cara, o que houve?!!!

IC – Ele ontem veio com esse papo que está confuso, que não sabe direito o que quer, que gosta muito de mim, mas que não quer me magoar. Acho que ficou com medo de me ver. Legal né?- Irônica.

SS – Afffe! Mais um desse tipo. Babaca! – Desacreditada.

IC - ...

SS – Ah cara, covarde ducaralhou! Ficou com medinha, é? Melhor ficar mesmo! Você é
muito mulher pra um merdinha desses.

IC – Pô, amiga, muito obrigada, mas acho que gostaria de ouvir outra coisa - Risos! – Desarma.

SS – Hahahahaha! Desculpa, mas é que esses homens contemporâneos estão me saindo bem piores do que as mulheres. Isso me dá uma certa indigestão – Sincera.

IC – amiga, já estou na porta da sua casa.

SS – Então sobe aí. Vamos tomar um saquê com lichia! – Convida animada.

IC – Ah, o que seria da minha vida sem você! - Sorri sem som.

SS – Ih, menina, então, você não sabe quem me ligou hoje?! – Muda o tom.

IC – Quem? O Roberto?! – Se interessa.

SS – Exatamente!


E a Independentemente Confusa entra no prédio com a amiga ao telefone. A conversa vai ficando longe. Vão se divertir e chorar algumas mágoas. Mas a noite será ótima! Bem melhor do que com “Ele”, acredite. Risos.