domingo, junho 06, 2010

A volta

Um dia alguém me disse que sonhava muito com ele. Disse que ele viria. Estava esperando ele chegar à tarde, entre às 16h e às 17h. Era essa a hora em que ele apareceria de volta. Sempre, às 15h30 saia do banho, se perfumava e se debruçava na janela olhando discretamente para o fim da rua, de onde ele surgiria. Era esse perfume que ele reconheceria, a conheceu com ele, conviveu ao lado dela com esse cheiro e, portanto, ela não poderia mudar odor para não confundi-lo. Achava justo.

Me contou que ele se foi numa tarde de domingo. Ele saiu um pouco mais cedo que de costume, saiu pela porta da frente, apressado. Ela jura que foi atrás de algum rabo de saia que viu passar. Ele não deu explicações. Apenas não mais voltou. Desde então ela o espera na janela, entre às 16h e 17h. Já fazia sete meses e ele se quer deu notícias. Mas ela jurava que ele voltaria. Ele estaria ali, na porta de sua casa entre às 16h e às 17h de uma tarde qualquer. Por isso ela nunca faltava ao compromisso. Não se perdoaria se um dia ele aparecesse e ela não estivesse ali para recebe-lo.

O perfume já havia sido comprado três vezes. O vidro era pequeno e não podia faltar. Ele talvez não a reconhecesse sem esse cheiro. A porta da casa também era aberta sempre no horário marcado para que ele não tivesse dúvidas que voltou. Era o seu lugar. Ele haveria de voltar.

Os vizinhos já comentavam, falavam injúrias. Não se sabe como ela conseguia viver assim nessa esperança. Diziam "esperança vã". Ela dava de ouvidos. Continuava a se perfumar. "Ele vem, eu sei", dizia ela.

Um ano se passou, e ela continuava a se pendurar na janela e olhar discretamente para o fim da rua. Tinha certeza que ele voltaria. A porta aberta e o perfume no ar, não haveria como ele se enganar.

Todos diziam que ele parecia muito fiel, companheiro. Estava sempre ao lado dela. Não haveria como se confundir. Mas ela não podia se permitir a falhas, ele não poderia passar reto sem reconhecer a casa. Ela jogava seu corpo na janela e mirava longe. Não poderia. Não se perdoaria. E assim seguiu a espera-lo por mais dois anos, sem perder um dia se quer. Para ela, não houve um senão que a fizesse desistir. Só aquela maldita dor nas pernas, que um dia a levou para a emergência mais próxima. Ela não mais voltou.

A casa continua de portas abertas. Toda tarde alguém abre as portas e borrifa o perfume. Ele vai voltar. Ele fora o cão mais fiel que todos conheceram naquela vizinhança, e ela, a dona mais dedicada que todos já tiveram notícias por aquelas bandas de lá.

6 comentários:

VASCODAGAMA disse...

A porta estava aberta, entrei e gostei;
Posso voltar ?????

Beijo

Gardênia Vargas disse...

Volte sempre, a porta estará sempre aberta.

Pipa disse...

Adorei!!!!!
Mande sempre que tiver!
Bjinhos,
Pipa

Unknown disse...

Amiga, gostei! Vc conseguiu manter o suspense até o final!
Bjs,
Alessandra

VALERIA LOBO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
VALERIA LOBO disse...

Querida adorei, fiquei curiosa e ansiosa para ver o desfecho, mande sempre beijos Valéria